Enquanto aguardam com apreensão o que a Procuradoria-Geral da República (PGR) vai fazer com o relatório da Polícia Federal de mais de 800 páginas que indiciou Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por envolvimento em uma trama golpista para impedir a posse de Lula, interlocutores do ex-presidente já esboçam nos bastidores a linha de defesa para tentar escapar de uma eventual denúncia – e, assim, afastar os riscos de uma prisão.
A menos que surja algum novo fato político ou revelação bombástica na investigação, aliados de Bolsonaro pretendem emplacar a tese de que o ex-presidente, na verdade, nunca autorizou um golpe.
A narrativa bolsonarista é a de que o ex-presidente sofreu, sim, muita pressão “de baixo” – aí incluídos oficiais de alta patente, como o general Mário Fernandes, que foi ao Palácio do Planalto falar diretamente com o presidente para insistir por um golpe. Ainda assim, ele teria “segurado a onda” e não topou embarcar na aventura golpista, já que no fim do mandato arrumou as malas e foi para os Estados Unidos.
“Não era um golpe do Bolsonaro, e sim dos militares”, diz um interlocutor de Bolsonaro ouvido reservadamente pela equipe da coluna, para quem a apuração traz mais implicações para o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto do que para o ex-chefe do Executivo.
Tal versão, porém, cria um dilema para o presidente.
Isso porque, se Bolsonaro disser que rejeitou a pressão, terá que dizer de quem e incriminar aliados – ou seja, precisaria entregar algumas cabeças. Segundo alguns dos interlocutores próximos, isso contraria o espírito de “lealdade” que impera na caserna.
Mas, de um ponto de vista mais pragmático, poderia também gerar reações de militares, que passariam a acusar o ex-presidente de volta, em um ciclo que pode acabar prejudicando ainda mais a sua estratégia.
Além disso, a versão pode não colar, já que os comandantes das Forças declararam à PF que foram sondados pelo próprio Jair Bolsonaro sobre a decretação de estado de sítio depois da eleição.
Outra evidência de que Bolsonaro não ficou alheio aos planos de golpe foi o fato de que o general Mário Fernandes gravou um áudio para o ex-ajudante de ordens Mauro Cid após se encontrar com o então presidente afirmando que Bolsonaro disse que qualquer ação ainda poderia ocorrer até o dia 31 de dezembro, enquanto ele ainda estivesse no poder.
Fernandes, inclusive, foi quem imprimiu os documentos com planejamento operacional para prender e executar o ministro Alexandre de Moraes e para assinar Lula e Geraldo Alckmin.
No momento, a única estratégia vislumbrada pelos aliados de Bolsonaro é tentar se distanciar do núcleo golpista formado pelos militares que gravitavam em torno dele. O problema é que pode já ser tarde demais.
Quanto anos de prisão pode pegar Bolsonaro:
Derrotado nas urnas nas eleições gerais de 2022 e considerado inelegível até 2030, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode sofrer ainda mais sanções se for condenado pelos crimes pelos quais está sendo investigado atualmente.
Nesta quinta-feira (21), Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. Se condenado à pena máxima em cada um dos crimes, ele pode pegar 23 anos de prisão.
O crime de abolição do Estado Democrático de Direito é passível de quatro a oito anos de prisão e caracterizado pelo Código Penal por tentativa de impedir ou de restringir o exercício dos Poderes constitucionais com emprego de violência ou grave ameaça.
Já o crime de golpe de Estado, que consiste em tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, pode resultar em prisão de quatro a 12 anos.
No que diz respeito à associação criminosa, que diz respeito à associação de três pessoas ou mais para o fim específico de cometer crimes, o ex-presidente pode ser condenado em um a três anos de prisão.
Caso seja condenado à pena máxima, em tese, o ex-presidente pode deixar a cadeia após cumprir três anos e 10 meses. Isso porque a lei permite progressão de regime após a conclusão de um sexto da pena.