Não há como ser diferente: quem tem como missão garantir a lei e a ordem em uma sociedade marcada pela violência convive diariamente com altas doses de estresse.
Em teoria, policiais recebem treinamentos adequados para lidar com situações de risco e contam com apoio médico e psicológico se, de uma hora para outra, a farda se transformar em um pesado fardo. Na prática, contudo, o que se observa é que os profissionais das forças de segurança têm encontrado dentro de si um inimigo maior do que os criminosos que combatem nas ruas.
Não são raros os casos que acarretam depressão profunda. A idealização do perfil do super-herói, que impera na formação desde a academia, contribui para intensificar o problema, já que pedir socorro aos superiores, já que pedir socorro aos superiores, colegas e psicólogos é visto como sinal de fraqueza.
“No meio militar, o suicídio é um tabu maior do que o visto na sociedade”
“O aumento de casos mostra que estamos falhando em proteger o policial.”
“Quem está na base da hierarquia militar sofre ainda com humilhações dos superiores”
Pela primeira vez na história, ou pelo menos desde que os registros começaram a ser feitos, o número de policiais mortos por suicídio superou os de agentes assassinados em confrontos, seja em serviço ou fora dele, no Brasil. As informações constam no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O suicídio entre a categoria é quase oito vezes maior do que entre a população em geral. Esse fenômeno acontece desde que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a registrar os dados de vitimização de policiais.
Na visão de especialistas, os dados apresentados mostram que existem graves problemas estruturais de ordem psicológica nas corporações de segurança pública brasileira e que o Estado brasileiro falha na preservação da saúde mental e proteção da vida dos policiais.
“O tratamento diminui afastamentos e transforma as instituições em ambientes mais saudáveis”
Segundo a professora Marina Rezende Bazon, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, esse aumento do suicídio entre os policiais é multideterminado e depende de uma série de fatores: “Os policiais estão em constante contato com vários fatores de estresse, como mazelas e contradições sociais, extrema violência, sobrecarga e condições precárias de trabalho, que criam um cenário difícil para esse profissional”.
Fontes de estresse
A natureza da função policial é fonte de estresse e impacta diretamente a saúde mental desses profissionais, principalmente no contexto brasileiro, onde a polícia é considerada muito violenta. De acordo com dados do Ministério da Justiça, foram registradas mais de 6,3 mil mortes por ação de policiais no Brasil entre janeiro e dezembro de 2023, em média, são 17 casos por dia. Essa violência extrema e banalizada, em um contexto de profundas desigualdades sociais, tem grande impacto no psicológico dos servidores de segurança pública, segundo a professora Marina.
Identidade policial
Outro ponto identificado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 é que, na formação desses profissionais, cria-se uma identidade policial que reproduz a ideia de que ele precisa estar preparado para qualquer situação e resistir a qualquer condição, por mais extrema que seja.
PERGUNTAS ? O atendimento a esses profissionais na área de saúde mental segue um procedimento padrão de detectar pessoas em risco de suicídio ?
Existe a prevenção primária e/ou secundária, que ocorre após uma tentativa de suicídio?
Uma vez identificado o risco de suicídio, existem protocolos de tratamento específico a esse profissional ?
“Para aprimorar o tratamento da saúde psicológica dos policiais, seria fundamental criar programas de apoio mental com profissionais capacitados, mas que não fossem conveniados às corporações de segurança pública”
Especialistas são unânimes em alertar que, sem o apoio de superiores, a tropa tende a seguir evitando o assunto, mesmo diante de sofrimento intenso. “O comandante tem que estar com o coração e a porta abertos para o policial”
Afinal, um policial armado sem dispor de plenas ‘condições psicológicas’ não coloca em risco apenas a própria vida.
Do Marcello Patriota
