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“Não sou esse monstro”, diz sobrinha de idoso levado morto a banco

Érika de Souza Vieira Nunes, de 42 anos, contou que foi o tio, Paulo Roberto Braga, de 68 anos, quem pediu que ela o levasse a uma agência do banco Itaú, em Bangu, Zona Oeste do Rio, para fazer um empréstimo, no último dia 16 de abril.

As imagens da sobrinha e do tio, já morto numa cadeira de rodas, tentando sacar a quantia de R$ 17 mil, correram o mundo. Érika chegou a ficar presa, mas foi solta na semana passada por determinação da Justiça.

Ela irá responder em liberdade pelos crimes de tentativa de estelionato e vilipêndio de cadáver. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, Érika disse não ter notado nada de anormal no tio naquele dia e que, no trajeto de casa até o banco, que durou 37 minutos, ele estava bem.

Antes de levar o tio até a agência, Érika vai até um shopping onde ela pega uma cadeira de rodas. Érika recebe ajuda do motorista de aplicativo para colocar Paulo na cadeira de rodas. O homem segura a cadeira de rodas enquanto ela tenta encontrar um jeito de retirar o idoso de dentro do carro.

Ela puxa o corpo do idoso para frente e o segura por trás. A cabeça dele mexe um pouco e, em seguida, ela o coloca na cadeira, com ajuda do homem. As pernas do idoso ficam esticadas, e a mulher ajeita em cima do apoio para os pés.

A ação durou 27 segundos. Depois disso, Érika pega a bolsa em cima do carro e o homem fecha a porta do carona. Ela segue com ele. Já do lado de fora do estabelecimento, durante o percurso até o banco, Paulo Roberto aparece com a cabeça tombada pra trás.

As imagens das câmeras de segurança do banco mostram que Érika entra no local segurando o pescoço do tio, que está imóvel. Ela chega a conversar com Paulo, que não esboça qualquer reação.

Érika continua: “Tio Paulo, tá ouvindo? O senhor precisa assinar. Se o senhor não assinar, não tem como”. Eu não posso assinar pelo senhor, o que eu posso fazer, eu faço. Igual ao documento aqui: Paulo Roberto Braga. O senhor segura (a caneta). O senhor segura forte para caramba a cadeira aí. Ele não segurou ali a porta?”, diz Érika na imagem gravada pelos funcionários do banco.

Ao ser questionada pelo repórter sobre a qual a razão de segurar o pescoço do tio, Érika respondeu que perguntou a Paulo se ele estava melhor com ela apoiando sua cabeça e ele teria respondido que sim. Ela conta que foi durante o trajeto pelo calçadão teve essa conversa com o tio. Apesar de Érika afirmar que conversa com o tio na rua, nas imagens ele aparece imóvel e com o pescoço tombado para o lado.

Ao serem atendidos na agência bancária, os funcionários percebem algo de estranho e chamam o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), que constatam a morte do idoso. Segundo o depoimento do funcionário do Samu, Paulo já estava morto há pelo menos duas horas, porque o corpo de Paulo já apresentava livores — manchas escuras que correspondem às zonas de falta ou de acumulação de sangue —, que costumam aparecer após esse tempo.

Também em depoimento, uma das funcionárias da agência bancária contou que, num primeiro momento, achou o idoso muito debilitado. Ao se aproximar do local onde ocorria o atendimento, orientou que a assinatura de Paulo Roberto deveria ser igual à da carteira de identidade. No momento em que o idoso deveria assinar, porém, a funcionária afirma que ele não respondia e estava com aspecto pálido e sem apresentar sinais vitais.

Foi quando Érika, conforme o relato da funcionária, acordar e colocar uma caneta na mão de Paulo Roberto, levando a mão do idoso até a mesa. A funcionária afirmou que isso tudo aconteceu mesmo com o idoso estando claramente desacordado.

“Assina para não me dar dor de cabeça, ter que ir no cartório… Eu não aguento mais!” diz Érika para o tio.

Érika afirmou que não se lembra de muito coisa naquele dia e que foi o tio que pediu para ela ir com ele ao banco. Ela atribuiu a dificuldade em se lembrar de detalhes do dia do ocorrido devido ao uso de medicamentos. Segundo Érika, naquele dia ela havia tomado um comprimido de zolpidem, remédio de uso controlado, ou seja, que só pode ser comprado com receita médica, usado no tratamento de distúrbios do sono. Érika afirma que costumava tomar mais de um comprimido por dia.

A defesa de Érika apresentou um laudo médico, de 2022, que sugere que ela tenha dependência química de hipnóticos e sofre de depressão.

Ao ser perguntada sobre o momento em que teria percebido que o tio já estava morto, Érika afirma que só se deu conta quando, de fato, o médico do Samu atestou. Ela contou ainda que o empréstimo era um desejo do tio para fazer uma obra na parte de baixo da casa onde morava com a família dela. E que o tio não tinha renda fixa. Apenas fazia biscates. Por oito meses, Paulo Roberto Braga recebeu um salário mínimo oriundo de um programa de assistência social do governo.

A Justiça aceitou a denúncia contra Érika de Souza que irá responder por tentativa de estelionato e vilipêndio de cadáver. Enquanto aguarda julgamento em liberdade, ela terá que comparecer mensalmente ao cartório do juízo para informar suas atividades ou eventual alteração de endereço. Em caso de internação devido a um tratamento para saúde mental, a defesa de Érika terá que informar a Justiça. E não poderá se ausentar do estado do Rio por mais de sete dias.

Da Agência O Globo

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